Segundo ensina Joaquim Barbosa Gomes1, as ações afirmativas, em um primeiro momento, instigaram e encorajaram as autoridades públicas, sem as obrigar, a tomar decisões em prol de grupos flagrantemente excluídos, considerando a raça, cor, sexo e origem nacional das pessoas, fatores que, até então, consideravam-se irrelevantes. A pressão organizada desses grupos evidenciou as injustiças e impulsionou o estímulo a políticas públicas compensatórias de acesso à educação e ao mercado de trabalho. Nas décadas de 1960 e 1970, diante da constatação da inoperância das normas de mera instigação, e tendo em conta o aumento da pressão dos grupos discriminados, adotaram-se cotas rígidas, obrigatórias, que vieram a compor nas escolas, no mercado de trabalho e em outros setores da vida social um quadro mais representativo da diversidade dos povos.
A estatística era o principal instrumento de prova da discriminação objetiva, restando superada a preocupação com a intencionalidade na discriminação, de difícil prova, e que inviabilizava os avanços no sentido da sociedade inclusiva.
Chega-se, assim, à conclusão de que as ações afirmativas contêm elementos concernentes à compensação, à mobilização de grupos privados, à próatividade do Estado na direção dessa compensação e à materialização da igualdade real, concreta, objetiva.
Joaquim Barbosa Gomes apresenta um conceito bastante abrangente, que define as ações afirmativas como:
(...) as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.2
Tratou-se, então, de superar a proibição pura e simples da discriminação, que possibilitava, tãosomente, a reparação de danos posteriori, muitas vezes impossível diante da exigência quase sempre intransponível da prova do ânimo discriminatório. As ações afirmativas compensam danos oriundos do passado, de condutas imemoráveis ou de raízes históricas profundas, e podem decorrer de imposição legal, judicial ou de ações voluntárias de entidades privadas instigadas ou não por leis abertas, de política de isenções fiscais, por exemplo, ou bolsas de ensino, e outras tantas. Há que acrescentar à definição acima exposta outras perspectivas de proteção que abarquem outros grupos, tais como as pessoas com deficiências, os homossexuais ou aquelas situações em que a pessoa pertença a mais de um grupo discriminado, como as mulheres negras com deficiência.
As ações afirmativas são, assim, medidas que visam à implantação de providências obrigatórias ou facultativas, oriundas de órgãos públicos ou privados, cuja finalidade é a de promover a inclusão de grupos notoriamente discriminados, possibilitando-lhes o acesso aos espaços sociais e a fruição de direitos fundamentais, com vistas à realização da efetiva igualdade constitucional. Podem, portanto, decorrer da lei que institua cotas ou que promova incentivos fiscais, descontos de tarifas; podem advir de decisões judiciais que também determinem a observância de cotas percentuais, mas sempre em favor de grupos, porque o momento histórico da criação das medidas afirmativas foi o da transcendência da individualidade e da igualdade formal de índole liberal e também da mera observância coletiva dos direitos sociais genéricos, que implicavam uma ação estatal universal, buscando compensação social em favor dos hipossuficientes social e econômico. As ações afirmativas, como se constatou, representam um corte de observação da realidade que incide na maioria desvalida, mas observa as peculiaridades das minorias que a compõem, tendo-se em vista a insuficiência das ações genéricas em si mesmas.
Dessa forma, o art. 93 da Lei nº 8.213/91, ao fixar, para empresas com 100 (cem) ou mais empregados, o percentual de 2% a 5% de contratação obriga tória de pessoas com deficiências habilitadas, ou reabilitadas, está a exercer ação afirmativa decorrente de lei, e cuja implementação depende das empresas. Trata-se de implementar uma iniciativa de combinação de esforços entre o Estado e a sociedade civil.
Os valores que lastreiam a medida em questão estão contidos nos arts. 1º, 3º e 5º da Constituição brasileira. Asseguram tais normas os princípios da dignidade e cidadania, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, e o da igualdade real de todos perante a lei. A ação afirmativa da qual se trata vem impulsionada, ademais, como já se disse, pelos dispositivos da Constituição, eis que se constrói, por meio dela, uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo-se o bem do grupo aquinhoado pela medida, combatendo-se a discriminação e o preconceito que sempre excluem as pessoas com deficiência do convívio social.
1 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 3538.
2 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 40.